Header Ads

Harry Potter não é sobre política

Muito tem-se ouvido falar de algumas pessoas que as obras do Mundo Bruxo da J.K. Rowling não são sobre política. Não podemos tirar o mérito desta afirmação, de fato a obra da autora é sobre um bruxinho órfão que sobreviveu a uma maldição, é perseguido por seu algoz e deve derrota-lo para (sobre)viver.

Entretanto, ainda levando em consideração a frase “Harry Potter não é política”, ela está correta? A resposta definitiva é NÃO! Toda ficção ou literatura vai perpassar situações sociais, afinal, na obra estará inserida visões de vida do(a) autor(a), contexto social, contexto econômico, ideologias e vários outros fatores.

Sem contar que a obra também estará inserida em determinado espaço de tempo, o que caracterizará o viés que ela vai tomar. O que acontece nas obras ficcionais para dizermos que se trata de política é um termo pouco popular e que poucas pessoas estão familiarizadas, chamado Alegoria ou, no caso de Harry Potter, uma Alegoria Social.


Mas afinal, o que é uma alegoria social?

Segundo o Dicionários de Termos Literários a Alegoria significa “Aquilo que representa uma coisa para dar a ideia de outra através de uma ilação moral” e ainda:


Etimologicamente, o grego allegoría significa 'dizer o outro', 'dizer alguma coisa diferente do sentido literal', e veio substituir ao tempo de Plutarco (c.46-120 d.C.) um termo mais antigo: hypónoia, que queria dizer 'significação oculta' (...) Muitas vezes definida como uma metáfora ampliada, ou, como dizia Quintiliano, no Institutio oratoria, uma 'metáfora continuada que mostra uma coisa pelas palavras e outra pelo sentido', a alegoria é um dos recursos retóricos mais discutidos teoricamente ao longo dos tempos.


Em resumo, uma alegoria é algo dito metaforicamente, que está nas entrelinhas do seu significado literal. Vários autores se utilizam desse modelo, como exemplo podemos citar C.S. Lewis, criador das Crônicas de Nárnia ou Philip Pullman, criador da trilogia Fronteiras do Universo, em que ambos fazem uma alegoria cristã em suas obras tocando também em assuntos como sociais como estratificações e guerras. Podemos citar autores mais na linha de ficção científica também como Willian Gibson e Isaac Asimov, onde fazem paralelos com alegorias de consumo, totalitarismo, sociologia e muitas outras. Podemos citar também, a obra de Jogos Vorazes, de Suzanne Collins, onde a alegoria social pode ser lida como a disputa, entre jovens, para ascender ao poder.


A lista é enorme, vai desde Platão com o mito da caverna até autores contemporâneos como Max Brooks e, caso você pretenda parar de ler “coisas de esquerda”, sugiro que comece agora fazer uma lista obras que não utilizem alegorias sociais. Suponho que você não poderá nem jogar videogame, como nos mostra o game Bioshock, que faz uma crítica ferrenha sobre o liberalismo econômico nos seus dois primeiros jogos e uma crítica religiosa no terceiro jogo.


Mas voltando ao foco que é nosso bruxinho preferido (na verdade eu prefiro muito mais a Luna, escolhas, eu diria) Harry Potter se caracteriza como uma alegoria social porque em seu cerne traz assuntos políticos-sociológicos, como a ascensão de um regime que pensavam ter derrotado anteriormente, protagonismo escolar, estratificação social, representatividade. Podemos citar brevemente alguns tópicos aqui, como por exemplo:


Ascensão de um regime

Tanto nas obras de Harry Potter quanto na nova série de Animais Fantásticos no deparamos com algo em comum: Regimes com características totalitárias e/ou fascistas tentando ascender ao poder. Em animais fantásticos temos Grindelwald, um líder que utiliza a popularidade e o senso comum bruxo da época para o processo de tomada de poder com características hegemônicas, onde os non-maj (ou trouxas) serão aniquilados, mas não em sua totalidade uma vez que será necessário, nas palavras do bruxo das trevas, “burros de carga”.

É perceptível algo semelhante na história? Caso não lembrem, podemos fazer um paralelo com o regime nazista, o qual surgiu após a crise neoliberal nos EUA que atingiu todo globo. Percebam que ambos se localizam no mesmo contexto histórico, possuem um líder carismático e ambos se utilizam de uma estratégia para salvar os indivíduos de uma crise. Mas essa salvação vem com um custo aos que se encontram socialmente inferiores na estratificação, por exemplo os judeus com Hitler e os trouxas com Grindelwald.


Ainda nesse tema não poderíamos deixar de citar o Lorde das Trevas, sucessor de Grindelwald, Voldemort. Com características também fascistas o buxo das trevas contemporâneo buscava subjugar tanto trouxas quanto os “sangue-ruim”, características dadas àqueles que não são “puros”. Nesse esquema ainda podemos colocar os “traidores do sangue”, que são pessoas, de sangue puro, as quais apoiavam o que consideravam como “aberrações”. Neste contexto temos dois paralelos: o viés que é mais evidente, ou seja, hegemônico de “raça” e/ou etnia e um viés social das pessoas que que fogem do que é considerado comum para o regime.


Protagonismo estudantil

Algo também em evidência na série Harry Potter é o protagonismo escolar. Toda Hogwarts está junta para derrotar o maior bruxo das trevas que existiu. Podemos ir mais a fundo: enquanto o ministério fechava os olhos à crescente ameaça estudantes criaram a Armada de Dumbledore, a fim de ensinar outros estudantes a se defenderem dos tempos sombrios que estavam vindo, bem como o F.A.L.E. (Fundação de Apoio à Libertação dos Elfos-Domésticos) criado por Hermione que defendia o direito dos Elfos.



Se a alegoria do protagonismo estudantil na luta contra o Lorde das Trevas não te lembra nada em nossa história devemos recordar alguns fatos acontecidos no século passado e outros mais recentes: os cara-pintadas, que derrubaram o governo Collor na década de 1990 e as recentes ocupações nas escolas em 2016 contra a PEC do corte orçamentário.




Estratificação social


Esse também é um ponto evidente que qualquer leitor das obras de J.K. Rowling deveria perceber: sociedade estratificada. Em evidência temos novamente os Trouxas, que são considerados seres inferiores por muitos bruxos ou até mesmo exóticos ou incapazes de feitos, como evidenciado respectivamente pelo próprio Dumbledore ao se admirar pelo sorvete de limão feito por trouxas ou Sr. Weasley fascinado pelas “bugigangas” trouxas. Outro exemplo é o dos Elfos domésticos que são escravos, devendo total submissão aos seus “donos” e não podem frequentar os mesmo locais dos seus senhores.

O paralelo com fatos sociais que podemos fazer desta vez é em relação ao Apartheid, ocorrido na África do Sul, ou até mesmo a discriminação que ocorre de pessoas com maior status (econômico, social, cultural) em relação aos que estão na base da pirâmide da estratificação.


Representatividade feminina

Ainda que não haja um consenso sobre representatividade na obra de J.K., podemos citar a representatividade feminina como um forte: tanto do lado antagonista quanto do lado protagonista temos bruxas poderosíssimas, como a Bellatrix Lestrange, Hermione Granger, Luna Lovegood, Minerva McGonagall, Gina Weasley, Ninfadora Tonks, Lily Potter, Molly Weasley e várias outras.

Devemos lembrar que Hermione é a cabeça do grupo e sem ela provavelmente Potter não teria sobrevivido até a metade da obra. Ora, convenhamos que Harry Potter foi salvo pelo feitiço protetor de sua mãe no dia em que o feitiço fidelius caiu. Gina e Luna encabeçaram a resistência em Hogwarts após a queda do ministério e emparelhamento de da escola. Na batalha de Hogwarts Minerva liderou a defesa de uma parte significativa do castelo com o feitiço Piertotum Locomotor e Molly Weasley batalhou contra a poderosa Bellatrix, salvando sua filha da morte.

Em suma, a presença feminina tem relevante participação na obra, o que levanta uma bandeira de representatividade.


Conclusão

Obras possuem alegorias sociais, o Mundo Bruxo de nossa controversa e querida autora não passa longe disso, ao contrário, ele toca em feridas ainda abertas, não apenas em nosso país, mas num contexto global.

Em resumo, desculpe-nos decepcioná-lo leitor, mas Harry Potter é sim uma obra política. Mas não apenas sobre política, é uma obra sobre sociologia, antropologia, psicologia, direitos humanos e outros paralelos que podemos realizar. Caso não tenha entendido, mesmo após esse breve texto, infelizmente devemos tirar 50 pontos de sua casa.


(e do fundo do coração espero que vocês que não entenderam não sejam da Sonserina)

Nenhum comentário

Eu juro solenemente não fazer nada de bom.

Tecnologia do Blogger.